segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A crise e o clima


O sistema econômico e o sistema climático globais interagem e não podem ser separados

Há mais conexões entre a crise financeira global e a mudança climática do que aparece nos jornais, além do fato de ambas serem fenômenos sistêmicos e complexos. Não dá para eliminar todas as incertezas, nem antecipar todos os efeitos colaterais de nenhuma das duas. O sistema econômico e o sistema climático globais interagem continuamente, não podem ser separados.Dou um exemplo pouco comentado na imprensa. As empresas seguradoras viram suas perdas com eventos naturais extremos, só nos Estados Unidos, subirem de menos de US$ 30 bilhões, na década de 1980, para US$ 100 bilhões, no decênio 1995-2005. De repente, são atingidas pelas crises imobiliária e financeira. Elas já haviam incorporado, em parte, critérios de avaliação do risco climático e de eventos naturais extremos. Mas, diante dos prejuízos, já consideravam seus modelos de risco superados. Sairão da crise com muitas seqüelas e uma nova concepção de risco, muito mais criteriosa e completa, na qual o risco climático, o risco de eventos naturais extremos, e o “risco carbono” terão peso muito maior que agora. O setor de seguros vai liderar a revisão dos modelos de risco, que passarão a incorporar não apenas critérios mais adequados de mensuração dos riscos financeiros, mas também o risco climático e ambiental. Essa revisão dos modelos de risco tornará os setores voltados para a mitigação dos gases de efeito estufa e, principalmente, as tecnologias, atividades e empresas de baixo carbono muito mais atraentes aos investidores. Também serão as que pagarão os menores prêmios de seguro.Essas conexões sistêmicas vincularão, cada vez mais, as avaliações de investimento e a valorização de ações e empresas à mudança climática. Perderão valor aquelas atividades de alto carbono e as que estejam sujeitas aos efeitos da mudança climática, principalmente aquelas submetidas à alta probabilidade de danos por eventos climáticos extremos, chuva ácida, desertificação, elevação do nível das águas. As empresas e os setores de alto carbono terão sua rentabilidade futura ameaçada por regulações ambientais e climáticas mais duras, pela fuga de consumidores para produtos de baixo carbono e pelo risco de tributação mais pesada.A crise financeira pode produzir dois efeitos de curto prazo nas emissões de carbono, um positivo e outro negativo. Deve haver queda nos investimentos em tecnologias verdes e energias renováveis. O mercado de carbono está caindo também. Mas a desaceleração econômica, provavelmente recessão global, reduzirá as emissões de carbono e os investimentos em atividades de alto carbono. É bem provável que os investimentos “verdes” sejam os menos prejudicados pela crise.

Texto de Sérgio Abranches

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