Anualmente, desde 2003, tem circulado pela internet a notícia de uma suposta grande aproximação do planeta Marte. Segundo a notícia, a grande aproximação aconteceria próximo ao final de agosto, e nessa ocasião Marte ficaria com o mesmo tamanho aparente da Lua. Embora tal notícia estimule a curiosidade do grande público, e talvez leve algumas pessoas a se desligarem momentaneamente dos problemas do dia-a-dia e olharem para o céu – o que é muito bom - tal notícia não tem qualquer respaldo científico. Ao invés de uma grande aproximação, as pessoas vão ter uma grande decepção...
Houve uma grande aproximação de Marte em 27 de agosto de 2003, aproximação essa que levou o planeta vermelho a distar “apenas” 55,76 milhões de quilômetros do nosso.
Foi a maior aproximação dos últimos 60 mil anos, segundo os cálculos dos astrônomos. Mesmo nessa ocasião, Marte esteve muito longe de se comparar, em tamanho aparente, à Lua, que nessa ocasião tinha um diâmetro aparente 72 vezes maior do que o de Marte.
O fenômeno de maior aproximação não se repete anualmente, como sugere o boato que circula todo ano, anunciando a aproximação para o final de agosto. As melhores fases de observação de Marte têm um período próprio que depende dos períodos de translação da Terra e também de Marte ao redor do Sol. O período de translação da Terra ao redor do Sol é o que chamamos de ano e dura aproximadamente 365,25 dias. Já o “ano” de Marte tem duração de 686,97 dias terrestres (para facilitar, os períodos de tempo mencionados daqui para frente no texto são sempre terrestres). O período de melhor visibilidade de Marte, época em que ele fica mais próximo da Terra, se repete num intervalo de tempo que é uma combinação desses dois períodos.
É o chamado período sinódico e no caso de Marte é de cerca de 780 dias, ou seja, dois anos e cinquenta dias.
Marte esteve recentemente na mínima distância à Terra para o biênio 2011-2012: foi no dia 03 de março de 2012. Nessa ocasião, a distância Marte-Terra foi de 100 milhões e 800 mil quilômetros, bem mais distante que na época da grande aproximação de 2003. O tamanho aparente de Marte em março de 2012 foi tão menor que o da Lua, que precisaríamos colocar 137 planetas Marte com seu diâmetro aparente na ocasião, um do lado do outro, para preencher o diâmetro aparente da Lua no céu! Como se pode ver, isso não se parece em nada com o tamanho prometido pelo boato. Nas ocasiões de máxima aproximação de Marte, o Observatório Dietrich Schiel do CDCC/USP costuma promover a chamada “Semana arciana” com observações de Marte ao telescópio, palestras e filmes com conteúdo relacionado ao planeta vermelho. A próxima Semana Marciana acontecerá em abril de 2014, pois nessa época ocorrerá a aproximação de Marte, após março de 2012.
A propaganda de Marte do tamanho da Lua provavelmente se deve a uma mistura de fatores envolvendo disseminação de boatos - prática comum nos meios de comunicação eletrônicos - adicionado ao pouco entendimento do assunto por parte de quem disparou o boato. Estes ingredientes encontram um solo fértil em meio à falta de embasamento científico geral que se verifica, não apenas em nosso país, mas universalmente. É bem possível que essa ideia descabida tenha sido fruto de a má interpretação dos textos de divulgação, que informam que Marte, ao telescópio, e com umas cem vezes de aumento, parecerá, aos olhos do observador e nas épocas de melhor observação, com um aspecto semelhante ao apresentado pela Lua: uma bola com manchas escuras.
Mesmo sem ficar do tamanho aparente da Lua, em agosto de 2012, o planeta vermelho poderá ser observado. Infelizmente, na distância em que se encontra, será difícil discernir detalhes na sua superfície, mesmo com um potente telescópio.
Apesar disso, o planeta se mostra como um ponto relativamente brilhante no céu e está numa direção próxima à do planeta Saturno, formado com este e com a estrela Spica, a mais brilhante da constelação de Virgo (A Virgem), um belo triângulo no céu, visível para os lados do oeste, após o pôr do Sol.
Mesmo sem a fantástica aproximação prometida pelo boato, Marte é por si só um objeto fascinante de estudo: um planeta desértico, com metade do tamanho da Terra, com tempestades de areia e um céu amarelo róseo, um dia de pouco mais de 24 horas, temperaturas que chegam em alguns locais a 20°C; evidências de existência de água líquida subterrânea e, quem sabe, hospedeiro de alguma forma elementar de vida. Que tal, então, dedicar algum tempo, no final de agosto ou começo de setembro, ao estudo e à observação desse nosso interessante vizinho cósmico?
Fonte: http://www.cdcc.usp.br
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